O HOMEM CERTO

Placas indicativas de cadeirante e cego
O homem busca uma maneira de satisfazer a sua alma, indo por caminhos obscuros, tentando desesperadamente preencher esse vazio que só Jesus pode.
Um cego e um paralítico, um com esperanças o outro não. O cego por qualquer coisa que surja tem a esperança renovada, e a peça transcorre com esperanças e frustrações. O paralítico desiste, resolvendo afogar a tristeza e decepção no álcool, enquanto o cego tem seu desejo de ver atendido quando conheceu o homem certo…

PERSONAGENS: HERNANDES o cego, OURIEL o paralítico, ESTEVAN curandeiro e seguidores, KARDECSON espírita, HASHIMÁ budista…

CENA 1 – (Dois homens : Hernandes, o cego e Ouriel, o paralítico, pedem esmolas sentados no chão enquanto passa um falso pastor com seus seguidores)

HERNANDES: Que barulho é esse?
OURIEL: São homens esquisitos que vem pra cá.
HERNANDES: Veja se é o curandeiro.
OURIEL: Você Hernandes, ainda acredita nisso?
HERNANDES: E que saída eu tenho?
OURIEL: Aceitar e viver com isso.
HERNANDES: Não seja pessimista, veja quem é.
OURIEL: É o tal do enganador do Estevan e seus seguidores.
HERNANDES: Chame-o até aqui.
OURIEL: Pare de ser teimoso Ouriel.
HERNANDES: (Chamando) Seu Estevan por favor me ajude.
ESTEVAN: (Falando aos seus seguidores) Engane que não estão ouvindo.
OURIEL: Ele nem tchum. Não tá nem aí pra você.
HERNANDES: Fale com ele você.
OURIEL: Rapaziada !! Dá pra escutar esse pobre ceguinho que vos chama, ou vocês não estão nem aí?
SEGUIDOR: O que deseja?
OURIEL: Ele quer falar com o seu chefe.
SEGUIDOR: Estamos esperando um político e ele não poderá atendê-los.
OURIEL: Disso eu já sabia. Tá vendo Hernandes !
HERNANDES: Como posso?
OURIEL: É força de expressão. Eu não te disse, é tudo picareta.
SEGUIDOR: Não é bem assim, outro dia passaremos aqui.
OURIEL: Eu tenho cara de trouxa?
HERNANDES: Moço, eu acredito nesse homem de Deus e sei que se ele orar, Deus pode me curar.
SEGUIDOR: Mas nem tudo Deus cura, tem que ser de sua vontade.
HERNANDES: Mas se for um homem de Deus, eu tenho certeza que Ele me cura. (Estevan se aproxima)
ESTEVAN: O que ele deseja?
SEGUIDOR: Eles querem uma oração.
ESTEVAN: Tudo bem. Como está a minha maquiagem?
SEGUIDOR: Está ótima senhor.
ESTEVAN: (Orando) Senhor, abençoe esse homem em nome de Jesus, amém.
HERNANDES: Eu quero ser curado doutor Estevan.
ESTEVAN: Vamos embora, eles chegaram.
SEGUIDOR: Agora chega. (Saem)
HERNANDES: Eu só quero ser curado e vejo sempre o senhor na tv, quer dizer sempre ouvo falar.
OURIEL: Hernandes ! Eles foram embora. E não é ouvo é ouço. Você não tem dinheiro, é pobre e cego e eles não se importam com pessoas como nós.
HERNANDES: Não acredito.
OURIEL: Eu já freqüentei igrejas, centros de macumba, espiritismo, seicho-no-iê, e até igrejas de anjos, é tudo enganação.
HERNANDES: Mas eles não fazem um trabalho de ajuda aos pobres?
OURIEL: Eles recebem alimentos e dinheiro e se não fizerem alguma coisa descobrem que são farsantes e por isso fazem.
HERNANDES: Mas tem gente boa.
OURIEL: Tem, claro que tem, mas esses são poucos, você conta nos dedos das mãos. (passa uma senhora com uma bolsa de mercado)
HERNANDES: Quem vem aí?
OURIEL: Uma dona. Olá senhora, podemos ajudá-la com a bolsa, e a senhora pode nos ajudar com alguma coisa ? (Passa direto – pausa) Nem nos enxergou.
HERNANDES: Está igual a mim.
OURIEL: Acho que pior. Você ao menos sente as pessoas. (Música – B.O)

CENA 2 – Outro dia – Luz (Os dois em outra posição)

HERNANDES: (ouvindo um rádio) Ele vai passar aqui Ouriel.
OURIEL: Quem?
HERNANDES: Deu no rádio !
OURIEL: Mas quem?
HERNANDES: O Kardecson.
OURIEL: Aquele espírita?
HERNANDES: É ele mesmo.
OURIEL: E daí? O que ele vai fazer?
HERNANDES: Me curar.
OURIEL: De novo com essa lenda. Para com isso. As vezes não vejo muita vantagem ver o que vemos, tem até uma frase que diz assim : O que os olhos não vêem, o coração não sente.
HERNANDES: Quer trocar comigo?
OURIEL: Grande vantagem ! Você é cego, mas anda.
HERNANDES: Mas não vejo por onde ando.
OURIEL: E eu vejo, mas não posso ir até lá.
HERNANDES: Estamos empatados.
OURIEL: Você não ouviu aquele seguidor do Estevan dizer que Deus cura quando Ele quer? Então espere com paciência. (Kardecson passando) Ei, você não é o homem do rádio?
KARDECSON: Sim, o que deseja?
OURIEL: Adivinha. Eu e o meu amigo temos problemas corporais.
KARDECSON: Mas isso é carma e carma você leva até o fim da vida.
OURIEL: Como assim?
KARDECSON: O que te acontece aqui, foi o que você fez na outra vida.
OURIEL: Mas como eu não me lembro?
KARDECSON: É complicado te explicar.
OURIEL: Por que sou pobre, aleijado e ignorante?
KARDECSON: Você precisa aceitar essa condição.
OURIEL: Que esperança maravilhosa você dá as pessoas. Não temos saída, a única coisa é aceitar e ponto final.
KARDECSON: Com licença, preciso ir. (Sai de cena)
HERNANDES: Seu Karcecson, tem alguma prova que alguém já reencarnou? Pode me responder essa pergunta?
OURIEL: Não !
HERNANDES: Deixa ele responder !
OURIEL: Ele já foi. É muito educado. Ele te mata com educação, que lindo. E você nem falou nada.
HERNANDES: O que eu podia dizer? Quando falei ele se foi. Não tem esperança mesmo.
OURIEL: Eu te disse, mas não me escuta. Quanto mais mexer na ferida, mais sentirá dor.
HERNANDES: Obrigado, filóloso !
OURIEL: A burrice mata !! (Música – B.O)

CENA 3 – Terceiro dia – Luz (Outra posição)

HERNANDES: (ouvindo o rádio)
OURIEL: Só vive escutando esse rádio, e se iludindo.
HERNANDES: Eu não posso ver, tenho que escutar.
OURIEL: Sua família é de onde?
HERNANDES: De Minas.
OURIEL: E veio pra São Paulo?
HERNANDES: É uma longa história.
OURIEL: Eu sou do sul, mas também é uma longa história. Minha família tem dinheiro e é muito rica.
HERNANDES: Não me diga.
OURIEL: Sei que acha mentira, mas é verdade. Sou considerado uma ovelha negra pra eles e sou muito orgulhoso.
HERNANDES: Você me parece bem estudado.
OURIEL: É, eu estudei em escolas particulares. Mas sempre fui muito rebelde.
HERNANDES: Dá pra perceber. Eu também estudei quando era jovem.
OURIEL: Mas você ainda é muito jovem.
HERNANDES: Depois que fiquei cego minha família mudou comigo, eu não podia ajudar em casa e acabei sendo abandonado.
OURIEL: Se Deus fez mesmo o homem, com certeza foi sua pior criação. (Música – B.O)

CENA 4 – Quarto dia – Luz (Ouriel só em cena)

OURIEL: (Escutando o rádio – cantarolando) Êta povo burro ! Vai acabar ganhando os mesmos de sempre, político é tudo uma gangue só. Tanto desemprego e ainda acreditam que vai melhorar, anular o voto é melhor, você não fica com a consciência pesada depois. Onde foi o ceguinho? Não para no lugar… lá vem ele e até parece que enxerga. (Entra Hernandes com um embrulho e senta-se ao seu lado)
HERNANDES: Que luta pra conseguir alguma coisa desse povo hoje em dia.
OURIEL: O que é isso?
HERNANDES: Não sei.
OURIEL: Como não sabe, não é seu?
HERNANDES: Eu ia passando e colocaram embaixo de meu braço, eu agradeci e vim embora.
OURIEL: Deixe-me ver. (abrindo o embrulho)
HERNANDES: O que é? Fale !
OURIEL: Uma cabeça.
HERNANDES: Cabeça? De quê?
OURIEL: De um gato.
HERNANDES: Meu Deus !!
OURIEL: Onde o homem é capaz de chegar, além de matar o pobre bichinho, ainda brinca com um homem incapacitado.
HERNANDES: Deixa pra lá, Deus tá vendo. ( Música – B.O)

CENA 5 – Quinto dia – Luz ( Os dois desolados na expectativa de alguma mudança)

OURIEL: Sabe Hernandes, eu andei pensando muito no seu ponto de vista sobre a vida, de como você consegue viver a cada dia.
HERNANDES: Como assim?
OURIEL: Dessa esperança que você tem no seu coração de um dia ser curado.
HERNANDES: Eu creio que posso ser curado e sei que vou conseguir.
OURIEL: Isso é muito bonito, pois nos ajuda a sobreviver nesse caos do dia a dia e refletir que tudo pode mudar amanhã.
HERNANDES: E pode.
OURIEL: Eu estou tentando fazer como você, mesmo sabendo que nada disso vai acontecer.
HERNANDES: Mas vai acontecer.
OURIEL: Na prática é impossível e você sabe disso.
HERNANDES: Eu não creio que o Deus que criou isso tudo, não pode curar um pobre cego e um paralítico.
OURIEL: Se Deus realmente existe, ele pode, mas temos que saber se ele quer e por isso não adianta querermos, ele tem que querer.
HERNANDES: Quem vem lá?
OURIEL: Ninguém. Você e essa sua mania de achar que alguém virá ajudá-lo. (Percebe alguém se aproximando) Quem será?
HERNANDES: Veja se é diferente.
OURIEL: Muito diferente.
HERNANDES: Veja se é especial.
OURIEL: Especial eu não sei, mas é esquisito. Ele tá fazendo um som estranho com a boca.
HERNANDES: Que som?
OURIEL: Nhó, nhó, sei lá. (O homem se aproxima) Já sei quem é ! É aquele budista famoso.
HERNANDES: Chame-o ! Chame-o ! Não podemos perder essa oportunidade.
OURIEL: Eu tô ficando empolgado ! Ô majestade ! Por gentileza !
SEGUIDOR: O que deseja com o grande Hashimá?
OURIEL: Falar com ele.
SEGUIDOR: Eu posso ajudá-lo?
OURIEL: Creio que não.
HASHIMÁ: Sou Hashimá, seguidor do grande buda.
OURIEL: Majestade, o seu grande buda pode nos curar?
HASHIMÁ: Se ele desejar poderá fazê-lo.
HERNANDES: Então fale com ele !
OURIEL: Ele te ouve?
HASHIMÁ: Creio que sim.
OURIEL: Mas não tem certeza?
HASHIMÁ: Acho que sim.
OURIEL: Como acho? Você não ouve sua voz?
HASHIMÁ: Claro que não ! Eu falo diante de sua estátua.
OURIEL: Então a estátua não fala, nem abre os olhos, não ouve e muito menos se movimenta?
HASHIMÁ: Você é engraçado. Você já viu uma estátua andar? Ua,ua,ua (todos riem)
HERNANDES: É uma risada ou um pato?
OURIEL: O espiritual aqui é você, eu só quero ser curado e se esse seu deus não puder me curar, ele não serve para mim.
HASHIMÁ: É um caso a se pensar.
OURIEL: Seguir uma imagem ! Não tem sentido pra mim.
HASHIMÁ: Na nossa vida passada…
OURIEL: Que vida passada? Já vem outro com a mesma história ! Prova que alguém já reencarnou? Se Deus existe, ele é poderoso para curar e me restaurar, o resto é utopia da cabeça de inventores. Não adianta aparentar espiritualidade se não há poder de Deus para fazer. O que me dizem?
HASHIMÁ: Não podemos responder essas indagações jovem, sua alma está angustiada e sofrida e precisamos ir, buda mandará uma resposta em breve.
OURIEL: Que resposta? Você tem a seringa, mas não o remédio, e se morrermos não sabemos para onde iremos.
HASHIMÁ: Precisamos ir. ( Hashimá e seus seguidores saem cabisbaixo)
HERNANDES: Você assustou o jovem budista.
OURIEL: Como o homem consegue entrar numa dessa?
HERNANDES: Pela pura vontade de descobrir quem é Deus. (B.O)

CENA 6 – Sexto dia – Luz (Os dois no proscênio)

HERNANDES: Não me venha com desânimo, eu já tenho demais.
OURIEL: Eu não disse nada.
HERNANDES: Mas já aviso antes.
OURIEL: Tudo bem. Mas que você é um trouxa, isso é. Pensar que um homem pode curar um ser humano.
HERNANDES: É Deus quem cura.
OURIEL: Mas como ele vai fazer isso? Vai descer aqui e te curar?
HERNANDES: Ele usa alguém que realmente o serve.
OURIEL: Quantos anos você tem?
HERNANDES: Acho que trinta e pouco.
OURIEL: Quem sabe antes dos 100 isso acontece, se não morrer até lá.
HERNANDES: (Música) Eu acho que você está com a razão, Deus não vai perder seu tempo olhando para um pobre cego.
OURIEL: Hernandes, vamos nos juntar com a turma do Gerson?
HERNANDES: Pra quê? Eles adoram levar vantagem em tudo, beber até cair, e ficar na calçada com o cachorro lambendo a sua cara?
OURIEL: Mas não temos nada a perder mesmo ! Vamos aproveitar o resto dessa vida miserável que nos resta, só assim esqueceremos o sofrimento do dia a dia.
HERNANDES: Eu não vou descer mais do que já desci. Morro pelo menos com dignidade de nunca ter apelado pra esses recursos e ainda guardo um pouco de esperança.
OURIEL: Eu vou. Preciso sair desse mundo de injustiça e só bebendo pra que isso aconteça. (Pegando sua bengala) Você sabe onde me encontrar, se precisar de algo. (Sai de cena)
HERNANDES: Que faço agora? Fiquei só e não tenho com quem conversar, se vou pra lá, eles só sabem falar palavrão, beber e até se drogar e eu não agüento ficar no meio deles e creio que o Ouriel também não, ele foi por não ter opção. Que futuro tem um cego? Que futuro tem o homem para viver?
Cadê Deus nessas horas? Quem ama Deus nesse mundo ou quem é que ama o próximo? Esses contos são para que o ser humano se sinta confiante nessa vida e não se mate, Deus, onde tu está? (passa um jovem com a bíblia na mão) Quem está ai?
JOVEM: Olá, senhor. Meu nome é Rodrigo, posso fazer uma oração pra Jesus abençoá-lo?
HERNANDES: O que mais desejo é que o Senhor Jesus me cure.
JOVEM: Eu não posso prometer nada ao senhor, mas sei que o meu Deus é poderoso para curá-lo e se a sua fé estiver voltada para Ele, tudo pode acontecer. Vamos orar. (Música – luz fraca até B.O – entra uma luz e um homem se aproxima) Que luz é essa? Será um carro? Quem está ai?
ANJO: O Senhor, ouviu o seu clamor e te concedeu uma grande vitória.
HERNANDES: Vitória? Que vitória? (A luz vai se apagando e o anjo sai de cena – B.O)

CENA 7 – O dia da vitória – Música (Herandes acordando)

HERNANDES: (Sentindo dores na vista) Que isso ! Eu não acredito ! Estou enxergando, estou enxergando, ou estou sonhando? Só pode ser um sonho ! Estou vendo tudo. Meu Deus que isso não seja uma mentira, ou então eu morri de verdade. O que aquele jovem fez comigo? Eu fui curado pelo Senhor ! O Senhor Jesus olhou pra mim, mesmo afastado dos seus caminhos. Como estou grato ao Senhor. O Senhor conhece meu coração e sabe que eu irei servi-lo pelo resto da minha vida. Agora vou correndo contar pro Ouriel que deve estar caído por aí com algum cachorro lambendo sua boca. E prometo cuidar dele e evangelizar todos os que vivem nas ruas. Agora eu sei o real valor da vida e sei o real valor de viver e viver para o dono dela. Eternamente, obrigado Senhor Jesus.

(Música aumenta – B.O – Fim)

Escrita em São Paulo entre 10 e 14 de Outubro de 2002

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