A MULHER SAMARITANA – No Egito Goiano

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A Mulher Samaritana No Estilo Goiano é uma versão da história bíblica, adaptada aos dias de hoje.
Esta “mulher Samaritana” nasceu em Goiás…
Bem humorada ela conta sua dura história de vida.

Comentários e sugestões são bem-vindos. Em caso de adaptações, montagens e apresentações, entre em contacto com a autora. Maria White

MULHER SAMARITANA:

“Quando a gente pensa que sabe tudo, aí mesmo é que a gente descobre que não sabe nada. Nadinha.”
Mas deixa eu pegar do comecinho:
Eu fui criada em “Biscoito Duro, Goiás.”
Mas é isso mesmo, Biscoito Duro, Goiás.
Não que a gente de lá não saiba fazer biscoito, ou seja; é Goiás, terra do gado, da mandioca, do milho.
Eu não tenho a menor ideia de quem foi o cabecinha que resolveu colocar esse nome na cidade, ouvi falar que foi um português, não me interessa, não sei.
O que eu sei é que quando me perguntam de onde eu sou, eu tenho que dizer: sou do Biscoito Duro, Goiás.
Mas me dá uma vergonha!
Biscoito Duro não é uma metrópole.
Bom, não quero contar vantagem, mas temos ali três estabelecimentos de muito boa reputação:
Número um: Senhor Chi Fu restaurante Chinês, famoso pelos pratos exóticos, a carne… bom, uma delas a gente chama de carne suína
Número dois: Toma-lá-dá-cá Taxidermia Ltda. Você derruba, a gente empalha em 24 horas, ou o seu dinheiro de volta. Garantido.
Número três: Peg-Pag Samaritano. Esse já está na praça por uns dois mil anos pelo menos, coisa assim, ou até onde eu me lembro.
Mas como eu ia dizendo; Biscoito Duro é uma cidade pequena, pequena mesmo, tão pequena que todo mundo sabe tudo o que tem pra saber sobre todo mundo.
Minha mãe e meu pai, bom, todo mundo sabia tudo sobre eles também.
Eles não eram, como se diz, os pilares da comunidade.
Meu pai herdou o bar do meu avô, um buteco na verdade.
Ali ele e minha mãe também … deixa eu falar difícil … esvaeceram até morrer.
Eu estava com 17 anos.
Daí, ainda em tenra idade, eu decidi fazer o meu próprio nome, e fiz.
Bom, metade do povo da cidade era fedorento de rico.
Sabe aquela gente já no avanço da idade, com muito dinheiro pra gastar, na escassez de netas com quem gastar, entende o que eu digo?
Por outro lado nós, o resto do povo, não tão fedorento assim de rico, mas apenas fedorento.
Nascemos no lado errado da rodovia, a GO-040, onde a gente comprava bolacha de quilo ao invés de Bauducco, baré cola ao invés de coca cola, niques ao invés de Nikes.
Mas era só o que a gente conhecia mesmo.
O único luxo que eu me dava era ir semanalmente ao centro da cidade comprar água mineral poá, lá no Peg-Pag Samaritano para escapar do gosto detestável daquilo que escorria na torneira lá do outro lado da GO-040, em Biscoito Duro, Goiás.
Mas à essa altura da história, eu tinha arranjado um novo namorado: Sam.
Não pense você que é apelido de sambista, ou de santo.
Nada disso; simplesmente Sam.
É claro, nos amancebamos.
Uou, não precisa me olhar assim, o que mais eu podia fazer, uma sem-teto, desempregada e tudo?
E não pense que eu nunca me casei, já fui casada sim, uma vez. Duas. Deixe-me ver: Zeca, Juca, Tonho, Tião, Manel,… cinco vezes pra ser exata.
Qual é a diferença?
Pelo menos Sam tem todos os dentes.
Pouco cabelo não vou negar, mas eu o amo.
Então, aconteceu que um dia, eu estava saindo pra ir ao Peg-Pag Samaritano comprar a minha água mineral poá. Eu perguntei ao Sam:
Hei Sam, você quer alguma coisa do Peg-Pag Samaritano?
E ele:
– “Amorzão, pode me passar o controle remoto?”
Homens!
Mas como eu ia dizendo, quando eu finalmente cheguei no Peg-Pag Samaritano, já sedenta o bastante, comecei a procurar a minha poá, que não estava no lugar costumeiro, e não encontrava em lugar nenhum.
Depois de muita procura, eu vi pelo canto do olho esse homem, estocando uma nova marca de água mineral na prateleira: Água Viva.
Quando eu cheguei perto, ele olhou para mim e sorriu:
– “Oi Sara.”
Eu olhei para os lados e para trás, pra ter certeza de que ele estava mesmo falando comigo.
Ou seja; era um estranho, eu nunca tinha visto aquele homem na minha vida, como é que ele sabia meu nome?
E ele disse ainda:
– “Você já experimentou essa nova marca? Se você beber dessa água viva você nunca mais terá sede outra vez e não vai mais ter de vir aqui toda semana comprar água.”
Bom, eu posso não ser a faca mais afiada da gaveta, mas de uma coisa eu sei:
Em Biscoito Duro, Goiás, é quente, escaldante e eu fico com sede.
Então ele disse:
– “Vai buscar seu marido.”
Uou, não sou casada, eu disse.
– “Você disse bem Sara, você não é casada. Você já teve cinco maridos, mas o homem com quem está vivendo agora de fato não é seu marido.”
Alguém aí pode dizer:
Moço!
Eu já estava bem no meiozinho da ala, grudada na minha sacola com três quilos de bolachas e duas baré cola, plantada firme no meu surrado nique, pronta para sair correndo dali, mas eu não pude.
Havia algo especial naquele homem.
Então, ele fez algo que eu jamais vou esquecer,  passe o tempo que passar.
Ele estendeu a mão, tocou meu rosto e me perguntou:
– “Sara, você sabe o significado do seu nome? Significa princesa.”
Pela primeira vez na minha vida eu me senti alguém, amada.
Eu, Sara, aquela que cresceu do lado errado da GO-040.
Sara, a filha de um casal do qual todo mundo na cidade evitava falar.
Sara, aquela que já havia sido casada cinco vezes e por fim vivia com um homem.
Aquele homem me amou, não pelo que eu podia fazer por ele, ou pela minha aparência, ou mesmo pelo que eu era.
Aquele homem me amou simplesmente porque eu era sua filha.
A filha do rei.
Bom, a minha vida estava a um fio pra virar de ponta cabeça, do avesso pro direito.
Eu voltei pra casa voando como bala e contei pra todo mundo o que tinha acontecido.
A partir dali a cidade inteira mudou.
Eu e Sam nos casamos duas semanas depois e desta vez é pra durar a vida inteira.
Mas sabe de uma coisa?
A minha mãe estava certa no que ela falava:
Quando a gente pensa que sabe tudo, é aí mesmo que a gente descobre que não sabe nadinha de nada.
Eu pensava que sabia o que podia me satisfazer,  mas como eu estava errada.
Uma vez que eu descobri essa fonte de vida, eu nunca mais senti sede outra vez.

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